"Dança e Lugar" | Um olhar sobre à África do Sul através da Pantsula
Na primeira matéria da coluna “Dança e lugar”, no qual vou compartilhar um pouco sobre as curiosidades de alguns estilos de dança e o lugar que eles se desenvolveram, vamos mergulhar hoje numa jornada para conhecer um pouco sobre essa expressão artística cativante e cheia de energia, chamada Pantsula.
Meu interesse por essa dança começou através de um projeto na faculdade, onde tive a oportunidade de assistir ao espetáculo 'Via Kanana', da companhia Via Katlehong. Fiquei encantada com a dança, figurino e o conceito do espetáculo, o que me motivou a pesquisar mais sobre a dança.
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Agora, estou animada para compartilhar com vocês um pouco mais sobre essa arte eletrizante, repleta de significados, e também para explorar a região em que ela se desenvolveu: a África do Sul.
Vem comigo!
Dando o Start!
"Pantsula" é uma palavra zulu que significa "gingado como um pato" e o que começou como uma forma de comunicação entre gangues durante o Apartheid (1948 a 1994), virou uma tradição, uma expressão artística com muitas camadas que teve origem nos subúrbios negros da África do Sul.
Via Wixsite
Inicialmente, desenvolveu-se como uma dança de rua informal, inspirada em gestos e movimentos do cotidiano nos municípios de Alexandra e Sophiatown em Joanesburgo. Aos poucos a dança se espalhou por toda a África do Sul. Já na década de 1980, Pantsula foi praticada por negros sul-africanos de todas as idades e não se limitava apenas aos homens. Conforme crescia, desenvolvia um viés político através de expressões de resistência e espalhando a consciência sobre questões sociais.
A dança
A dança teve suas primeiras influências no Jazz americano e, predominantemente, no sapateado, tendo como a sua marca registrada o trabalho rítmico com os pés.
Vale ressaltar que, inicialmente, os dançarinos não tinham acesso à música gravada e dançavam ao som de músicas ao vivo. Foi somente quando as rádios se tornaram populares na década de 80 que começaram a ter outras referências de músicas internacionais, como o pop americano, com foco nos astros Michael Jackson, MC Hammer e Puff Daddy, influências do Hip Hop e do Break também começaram a ser usadas.
No entanto, na década de 1990, um tipo particular de música para Pantsula surgiu, chamado de Kwaito.
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Segundo Sello Modiga, fundador e coreógrafo do Real Actions Pantsula, em uma entrevista para Vox Magazine, a dança é dividida em três estilos distintos: Estilo ocidental, Slow Poison, e Futhuzaque os três estilos diferem porque o Slow Poison tem batidas e movimentos lentos, enquanto o Futhuza tem movimentos rápidos e pisadas no chão. Ele também menciona que, na África do Sul, são mais utilizados movimentos de quadril, enquanto o estilo ocidental utiliza mais movimentos de peito.
E assim a cada década o footwork (trabalho com os pés) ficavam mais complexo e sofisticado, com um jogo rítmico mais inovador, tornando-se essa dança desafiadora que conhecemos. Os grupos começavam a ficar mais competitivos, saindo das ruas e conquistando as pistas de dança.
A popularidade é tanta que chamou a atenção de ninguém mais, ninguém menos do que a Queen Bey que usou de inspiração para a gravação do famoso clipe "Run the World (Girls)", que contou com a participação dos dançarinos moçambicanos Mário e Xavito, do grupo Tofo Tofo.
Confira aqui: Beyoncé - Run the World (Girls) (Official Video)
Estilo
Se vocês pensaram que apenas a dança era importante, estão enganados meus leitores! Para os dançarinos, o estilo é tão essencial quanto os movimentos que executam.
Isso porque apresentam uma variedade de estilos, que vão desde a elegância da alfaiataria americana clássica com uma pitada de estética gangster até o uso de roupas de trabalho robustas e os icônicos chapéus bucket e tênis Converse.
O fotógrafo sul-africano Chris Saunders capturou essa diversidade de estilos em uma exibição incrível, composta por fotos e vídeos dos dançarinos em ação. Suas imagens não apenas documentam a beleza e a energia da dança Pantsula, mas também celebram a individualidade e a criatividade dos artistas que a praticam.
Divulgação - Fotografia de Chris Saunders
África do Sul além da Pantsula
Por fim, Pantsula é um modo de vida, uma cultura, uma expressão artística que não se aprende nos estúdios de dança, ela precisa ser vivida.
"Pantsula refletiu a mudança de paisagem do próprio município (...) e o fato de que o município é formado por pessoas de diferentes origens culturais. Você aprende no seu quintal, quando os jovens começam a fazer passos juntos, é uma forma muito coletiva”, menciona Gregory Maqoma, coreógrafo da companhia de dança Via Katlehong.
Via The Guardian
E falando em vivência, como estamos falando de Joanesburgo, a maior cidade da África do Sul, um lugar repleto de cultura, arte e diversidade, é um dos lugares que a Pantsula se desenvolveu, não posso terminar essa matéria sem citar alguns lugares que foram importantes para a história da cidade.
- Museu do Apartheid
Conforme foi citado no início do texto, a dança Pantsula surgiu durante o Apartheid, logo é essencial começarmos nossa jornada pelo Museu do Apartheid. Este museu é dedicado à memória do sistema de discriminação racial que foi um marco na África do Sul entre 1948 até 1994, sendo fundamental também para entendermos o contexto social, político e cultural em que a dança emergiu. O museu conta com mais de 20 exposições apresentadas de forma cronológica da história, oferecendo uma imersão profunda na trajetória desse período histórico.
- Soweto: Casa de Mandela
Nelson Mandela, conhecido como o primeiro presidente democraticamente eleito na África do Sul em 1994, a exatos 30 anos atrás, foi um ícone da luta pelos direitos humanos e contra o regime racista do apartheid. Possui uma casa em Soweto, um distrito historicamente significativo, um lugar que foi palco de importantes eventos políticos e manifestações contra a opressão do apartheid.
Como um símbolo da resistência e da luta pela liberdade, a Mandela’s House (Casa de Mandela) tornou-se um museu que fica marcado na história sul-africana. Ao visitar o museu, os visitantes têm a oportunidade de mergulhar na vida e no legado de Mandela, explorando assim exposições sobre sua história com os artefatos, fotos e documentos que retratam a vida da família Mandela, criando uma maior conexão e profundidade com a história que o levou a lutar pela liberdade e igualdade.
- Distrito de Maboneng
Área central de Joanesburgo, onde era localizada antigas fábricas, hoje é considerado um dos distritos mais descolados de Joanesburgo, repleto de estúdios e galerias de arte, restaurantes, artistas de rua e mais de 50 murais de grafite que dão vida e agitam a cidade.
Esses foram apenas alguns dos lugares de memória da história de Joanesburgo que possui outros pontos importantes para serem adicionados no seu roteiro, sendo assim convido vocês a visitarem o site da Brafika viagens que oferece pacotes turísticos e de intercâmbios para Joanesburgo.
Entre em contato com eles, e vai viver essa experiência de perto.
Reflexões da Jornada
A dança é muito mais do que o produto final; as coreografias são apenas parte do processo e aprendizado. Ela é uma poderosa ferramenta de conexão e celebração coletiva, promovendo um ambiente de troca e fortalecendo o senso de identidade e pertencimento. A dança Pantsula exemplifica isso de forma brilhante, sendo uma manifestação artística vibrante de superação e resiliência. Tanto a dança quanto a África do Sul evoluíram e se adaptaram, apesar das mazelas históricas, conseguindo manter suas raízes culturais enquanto incorporavam novas influências e tecnologias.
Acredito que a África do Sul encontrou na arte, no turismo e na preservação de sua rica história, um caminho para o crescimento e fortalecimento. A dança Pantsula, por sua vez, continua a influenciar e inspirar gerações futuras, dentro e fora das fronteiras do país.
Portanto, enquanto nos despedimos desta jornada, somos lembrados não apenas da energia dessa forma de arte, mas também do seu profundo impacto cultural. Espero que a partir deste texto, eu consiga trazer uma reflexão para vocês sobre a história por trás das danças e como o ambiente externo interfere em seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, podemos continuar a valorizar e preservar as tradições dos lugares que ela ocupa.
Ficou curioso para saber mais? Deixe nos comentários qual dança vocês gostariam de ver por aqui.
Esse texto foi escrito por Verônica Vieira.
Verônica Vieira, graduada em Turismo pela UVA e bacharel em Dança pela UFRJ, é apaixonada pela interseção entre turismo e produção artística. Com habilidades em arte, turismo e escrita, busca promover trocas interpessoais significativas através de experiências enriquecedoras, especialmente no contexto do Afroturismo.