A última guardiã do N|uu: a língua que resiste na África do Sul

A última guardiã do N|uu: a língua que resiste na África do Sul

Imagine carregar dentro de si um idioma inteiro. Cada som, cada história, cada canto dos seus ancestrais — tudo guardado apenas na sua memória.

É assim que vive Katrina Esau, ou como todos a chamam com carinho: Ouma Katrina. Aos 90 anos, ela é a última falante fluente do N|uu, uma língua africana tão rara que corre o risco de desaparecer do mundo junto com ela.

A língua que quase se perdeu

O N|uu pertence ao povo khoisan, os primeiros habitantes do sul da África. É uma língua cheia de sons de cliques, como batidas suaves que ecoam a natureza e a história de um povo.
Mas o colonialismo e o apartheid não permitiram que essa língua vivesse em liberdade. Crianças foram proibidas de aprendê-la, famílias foram forçadas a adotar o africâner ou o inglês. Assim, o N|uu foi silenciado.

Só que uma mulher se recusou a deixar que sua voz fosse calada.

A resistência de Ouma Katrina

Em Upington, uma pequena cidade no Cabo Setentrional, Ouma Katrina decidiu lutar contra o esquecimento. Com um coração cheio de coragem, ela montou uma escolinha comunitária onde ensina palavras, canções e histórias em N|uu para crianças da sua comunidade.

Ela sabe que talvez não veja uma nova geração fluente, mas insiste: cada criança que aprende uma palavra, carrega consigo uma semente de resistência.

O livro infantil: um presente para o futuro

Para que o N|uu não ficasse preso apenas à oralidade, Ouma Katrina publicou um livro infantil chamado !Qohi n|a Tjhoi (“Ovelha e Cabra”).
É um livro simples, bilíngue, escrito em N|uu e inglês. Mas, mais do que um material didático, é um ato político: prova de que o idioma existe, respira e merece sobreviver.

Conexão com a nossa ancestralidade

Para nós, afro-brasileiros, essa história não é distante. Também sabemos o que significa ter línguas roubadas, culturas apagadas e memórias cortadas pela violência colonial.
O que Ouma Katrina faz na África do Sul ecoa aqui no Brasil: é sobre resgatar raízes, afirmar nossa identidade e se reconectar com a força dos nossos ancestrais.

Um legado de resistência

Talvez o N|uu nunca volte a ser uma língua cotidiana. Mas enquanto Ouma Katrina ensinar uma criança a dizer uma palavra, cantar uma canção ou contar uma história, o N|uu estará vivo.
E sua luta nos lembra que toda vez que celebramos nossas raízes, dançamos ao som dos tambores ou resgatamos histórias de nossos povos, também estamos dizendo:
não vão nos calar, não vão nos apagar.


Leave a comment

Please note, comments must be approved before they are published

Tags